O
texto por ora apresentado é uma tentativa de estabelecer diálogo com o ensaio "O
usuário e a greve", de Roland Barthes. É também a defesa do instrumento da
greve como uma ferramenta fundamental e imprescindível da classe trabalhadora.
Não deixa de ser também, a
apreciação do uso da greve como um instrumento ainda atual. Afinal de contas,
boa parte das críticas a ela dirigidas por seus detratores é de que existiriam
outras formas de se reivindicarem melhorias das condições de trabalho.
Feita a devida apresentação, é
fundamental caracterizar a greve como um elemento construído de forma coletiva.
Ninguém faz greve sozinho, a não ser uma greve de fome. Tirante isso é um
expediente não só organizado por um conjunto de indivíduos, como a decisão por
instaurar uma greve é também geralmente feita de forma plural, através do voto
em assembleias comunitárias.
Retomando o fio da discussão, o
texto de Barthes, o autor aponta a burguesia como responsável por tentar
construir uma série de dicotomias a partir da greve. E essa classe dominante
erigiu, ou tentou assim estabelecer, uma vítima principal das paralisações: o
usuário.
Sobre o caráter coletivo essencial
da greve - em oposição à lógica de
individualizar o usuário como vítima - assim
salientou Barthes: "Com efeito, encontramos aqui um traço constitutivo da
mentalidade reacionária, que consiste em dispersar a coletividade em indivíduos
e o indivíduo em essências"(BARTHES, 2009, p.137).
Geralmente os ataques à greve, em
especial pela mídia, se dão por uma suposta prejudicação daqueles indivíduos
que usam o sistema interrompido. Sejamos francos, esse discurso faz justamente
uma falsa polarização. Primeiro porque não necessariamente o
"usuário" seria prejudicado. Tomemos o exemplo da educação superior
pública: as aulas e demais atividades são geralmente respostas ao término de
uma greve. Em um segundo plano ainda podemos advogar que o usuário em última
instância seria beneficiado pela melhoria no atendimento advindo das conquistas
do movimento.
Aqui podemos aproveitar o gancho e
apresentar um elemento essencial da importância da greve. Boa parte das citadas
melhorias é conquistada justamente através da organização da classe
trabalhadora. Repiso o termo conquistas, pois afinal não são concessões, mas
sim direitos duramente conquistados através de lutas sociais.
Noutro plano, um discurso muito
comum e presente no seio das discussões em torno da necessidade ou não de uma
greve giram em torno de pautas e demandas salariais. Reproduzir essa prática
seria incorrer exatamente no discurso apresentado pela burguesia. O de que
indivíduos somente buscam o seu próprio bem. Como se as escolhas fossem
estritamente racionais.
A opção pela deflagração de uma
greve contém elementos muito superiores à mera discussão monetária. São
defendidas exatamente melhores condições não somente para aqueles que laboram
nas categorias, mas também e de maneira central, com a preocupação que norteia
a ampliação da base de usuários atendidos, como também das suas condições.
Outro ataque comum aos grevistas é a
tentativa de retirar a sua identidade de trabalhador, como se fossem ações
isoladas de seres que sempre desejam prejudicar algo ou alguém, no caso
novamente a figura quase mítica do usuário. Também nesse tocante, Barthes é
certeiro ao afirmar que:
Do mesmo modo, todos
os funcionários públicos quanto os trabalhadores em geral são abstraídos da
massa trabalhadora. como se o estatuto de assalariados desses trabalhadores
fosse de algum modo atraído, fixado e depois sublimado na própria superfície de
suas funções (BARTHES, 2009, p.198).
O discurso reacionário não consegue
compreender boa parte de tais elementos porque defende tão somente o status quo, ou seja, deseja manter as
coisas exatamente como estão. A necessidade imperiosa de trabalhadores entrarem
em greve vislumbra um futuro diferente daquele em que vivemos. Onde existe
escassez e baixa oferta de serviços de qualidade, são reivindicadas melhores
condições.
A opção pela greve é antes de tudo
uma escolha corajosa. Não é tão somente parar atividades e cerrar braços, mas
sim mobilizar companheiros. É o ímpeto de identificar que o rumo dos elementos
não é satisfatório e apontar uma série de alternativas para construir um amanhã
melhor e mais justo. Desses sonhos construídos com base na realidade concreta
se tece a tomada das ações necessárias.
Referência
bibliográfica:
BARTHES, Roland.
"O usuário da greve". In: Mitologias.
Rio de Janeiro, Difel, 2009.
Por Marcio Malta
(professor de
Ciência Política da Universidade Federal Fluminense)
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