Resenha do livro "Marcatti: tinta,
suor e suco gástrico" (Nova Iguaçu, Marsupial editora, 2014. Série
Recordatório) de Pedro de Luna
Escatológico.
Não existe palavra melhor para definir os quadrinhos de Marcatti. O paulista
Francisco de Assis Marcatti Júnior, recém adentrado na casa dos 50 anos é o
principal nome da Hq underground
brasileira.
Tendo o sexo como um dos temas mais
recorrentes, o artista desfila o seu traço duro e seco por aspectos sombrios da personalidade
humana. Quase sempre se vale do contraste fundamental entre o preto e o branco,
como se as cores fossem justamente desfazes as citadas sombras captadas nas
esquinas da alma de seus personagens.
Marcatti se tornou famoso para o grande público principalmente por
desenhar as capas dos discos da banda de punk Ratos de Porão. A parceria chegou
a render a publicação de algumas edições de revistas em quadrinhos que
registravam as peripécias do grupo liderado pelo vocalista João Gordo.
Apresentado o artista, é importante
salientar que essas palavras estão sendo escritas por ocasião do lançamento do
livro "Marcatti: tinta, suor e suco gástrico", do jornalista,
publicitário, agitador cultural, quadrinhista e cuidador de gatos nas horas
vagas, Pedro de Luna.
A obra vem a lume pela série
"Recordatório", compilada pela editora Marsupial. Pedro não poderia
ter feito escolha melhor para biografar, afinal, além do passado de Marcatti, o
desenhista continua não só bastante ativo, como tem resgatado recentemente a
sua produção artesanal, voltando depois de um longo hiato aos comandos de sua
impressora off-set.
O próprio cartunista cuida dos
pormenores das edições de cada um dos seus álbuns, acompanhando o processo de
fio a pavio. E haja pavio, pois cada página desenhada por ele é como uma
explosão, enfiando o dedo na ferida da nossa hipócrita sociedade, que segundo o
artista, normalmente acha nojento aquilo que é natural, inocente. E por extensão,
poderíamos complementar o raciocínio do artista e apontar que geralmente aquilo
que de fato é abjeto, como a injustiça social, por exemplo, é naturalizado.
No prefácio da obra, Pedro de Luna
afirma que Marcatti - ao contrário de muitos profissionais de sua geração, como
Angeli, Laerte e Glauco - não enveredou
pelo desenho político. Ouso discordar, afinal ao investir em retratar o
sub-mundo, o quadrinhista revela justamente o político, só que do cotidiano. As
taras, as perversões e os pontos mais baixos onde o ser humano pode chegar em
busca da satisfação de seus desejos.
De punk da periferia, Marcatti não
tem nada. Sua predileção se dá pelo blues, tendo participado da composição de
alguns grupos do gênero. Sendo que como um de seus hobbies, que acabou virando
também profissão, está a habilidade de fabricar (e ilustrar) guitarras.
Um dos maiores feitos do livro é
demonstrar amiúde as dificuldades de (sobre)viver de quadrinhos no Brasil. O desenhista
norte-americano Robert Crumb disse em certa feita que para ser quadrinhista é
preciso antes de tudo coragem. Marcatti demonstra que é preciso mais, é
necessário ter estômago e bastante suco gástrico.
* Marcio Malta (Nico) é professor de
Ciência Política da Universidade Federal Fluminense e Cartunista, autor da
biografia "Henfil: o humor subversivo", vencedora do Troféu Hqmix
(2008).
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