segunda-feira, 6 de abril de 2020

O combate ao Covid-19: uma análise de conjuntura para além do nacional



            Um tema tem dominado o noticiário de forma monolítica, a avanço do vírus Covid-19. A questão central é como os Estados Nacionais têm se comportado diante de tal desafio. O esforço fundamental é compreender como as medidas adotadas em escala nacional estão entrelaçadas com um dado maior, a estrutura do sistema mundial.
            O esforço de análise requer compreender como o raio-x do sistema de saúde de cada país nesse momento está relacionado a adoção de políticas públicas em um passado recente ou mesmo histórico. Países que adotaram o modelo neoliberal, sem cobertura universal, encontram-se em uma situação de maior vulnerabilidade. O preço do esvaziamento de orçamentos para essa área será cobrado duramente nesse momento, assim como os cortes em áreas essenciais como a pesquisa científica.
            A presente reflexão irá se dividir em duas partes. Em primeiro lugar será feita uma observação das medidas estritamente nacionais, sendo resguardada a segunda a compreender como o comportamento na esfera das relações internacionais é decisivo para os rumos do país.
Os contornos do Brasil no combate à Covid-19
Em termos brasileiros, assim como em outras nações, o cenário que se avizinha é o do agravamento da pandemia e o contágio em massa. No que tange a atuação política o que se tem assistido até agora são falas histriônicas de um presidente bufão em suas aparições. O contra ponto no interior do próprio governo é o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta. Com histórico de parlamentar conservador, o político tem pautado suas ações no campo estrito da ciência, sendo nítida a sua inclinação no decorrer da crise para a defesa do Sistema Único da Saúde. Nesse tocante é perceptível a metamorfose sobretudo pela adoção em seu figurino do jaleco azul do Sus nas suas coletivas de imprensa. O protagonismo do Estado como provedor e ator político fundamental tem se dado em escala mundial no combate ao Covid-19 e tem sido defendido até mesmo por neoliberais empedernidos.
            A relação de forças demonstra que no que tange a opinião pública, o campo científico está acumulando forças e o isolamento social conta com o respaldo de 76% da população segundo pesquisa publicada pelo instituto Datafolha no dia seis de abril. Porém, o que deve ser pautado por ora são os intestinos da política governamental. Afinal de contas o presidente possui verdadeira aversão a qualquer figura pública que se destaque e ameace sua suposta hegemonia. Assim foi também com seu ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, recorrentemente fritado por ataques palacianos.
            A questão que se coloca nessa queda de braço e se demonstra essencial no enfretamento do vírus é a permanência ou não de Mandetta a frente da pasta. Longe de ser unanimidade ou um paladino, sem sombra de dúvidas é a opção menos arriscada para conter os arroubos do bonapartista Jair Bolsonaro. O temor é a indicação de algum aventureiro para o posto.  O dilema posto se dá entre negacionistas e os defensores da ciência. Sendo que a história recente do combate em outros países demonstra que o segundo campo está correto ao defender medidas de distanciamento da população.
Uma análise das Relações Internacionais diante da Pandemia
            Para além do debate micro e restrito ao xadrex político brasileiro, no campo internacional é importante salientar a articulação entre estrutura e conjuntura. O combate ao vírus tem reforçado e deixado a nu as configurações do sistema global. Enquanto países ricos demonstram força e capital para acumular insumos no combate à doença, os países periféricos mínguam em suas quantidades mínimas de leitos por habitantes.
            O exemplo maior da disparidade é a corrida por aparelhos respiradores, essenciais para manter vidas e que se tornou um marco nas relações internacionais. Dados que chegam apontam para uma estratégia desleal por parte dos Estados Unidos ao desviar cargas compradas por outros países e reter mercadorias como máscaras de proteção.
Mesmo diante de tal comportamento da nação estaduninense, o alinhamento brasileiro se mostra incondicional, parecendo fazer eco ao slogan de Donald Trump, America First.  A bandeira da defesa dos interesses norte-americanos em primeiro lugar soaria natural, mesmo que egoística, por parte dos cidadãos da nação. Porém o que causa espécie e estupefação é a permanência de uma política entreguista e subordinada por parte de Jair Bolsonaro a tais interesses forasteiros.
Exemplos nesse talante abundam, como a manutenção de voos vindos dos Estados Unidos. Tendo como contrapartida o fechamento de fronteiras para países com bem menos casos registrados de Covid-19, como a Venezuela, Um comportamento meramente ideológico e sem lastro real. Um segundo indício da subalternidade pode ser acompanhado através de matéria veiculada pelo jornal Correio Braziliense que noticia a convocação de uma reunião festiva por parte do Itamaraty para dar as boas vindas ao novo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, quando a orientação é evitar aglomerações. O convite foi visto com maus olhos e constrangimento pelas autoridades de outros países, que receberam com justificado temor o convescote.
Alguns apontamentos finais
Para concluir essa análise de conjuntura – que em como toda observação do real se encontra em aberto – se destaca mais uma vez que o combate ao Covid-19 reforça as desigualdades do sistema mundial. Os países que detém tecnologia mundial saltam a frente na proteção de suas populações e aqueles que optaram por manter um modelo de produção de commodities se veem de braços atados. O que assistimos mais uma vez é a concentração de bens de produção sob o controle de uma minoria. E em um curto prazo observaremos o empobrecimento ainda mais cruel de amplos setores da sociedade em escala local e global.
O debate sobre economia ou a prevenção da saúde tão somente reforça a lógica do capital em não priorizar a maximização do uso da ciência em prol da maior parte da sociedade, mas sim pura e simplesmente a maximização dos lucros. Mesmo que isso custe milhares de vidas.

Marcio Malta – professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (INEST/UFF).

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